É preciso que a leitura seja um ato de amor. — Paulo Freire
Bloomington, 15 de março de 2024.
Querida pessoa que me lê,
Como você deve ter percebido, esta Carta para navegantes migrou para o Substack, pois a falecida TinyLetter fechou as portas. Como anarquivista que sou (um beijo pro meu querido professor da UFMG Reinaldo Marques, que inventou esse belo neologismo), todas as cartinhas enviadas até agora estão disponíveis aqui no Substack para quem quiser ler ou reler.
Há muito tempo venho ensaiando uma carta sobre leituras. Antes de ser escritora, antes mesmo de ser mulher ou de ser brasileira, sou um ser humano que lê. Desde que entendo minha existência, leio. Aliás, o processo de compreensão eu sou um ser, eu existo passou, de maneira fundacional, pela leitura. Quando aprendi a ler, aos 4 anos, comecei a fazer parte do mundo. Podia agora compreender placas, decodificar códigos, desvendar segredos. Essas são, ao lado do nascimento da minha irmã, que aconteceu na mesma época, minhas primeiras memórias de vida: passar a entender aqueles símbolos misteriosos que agora me abriam as portas do universo.
Além desse aspecto político e cidadão do letramento, o que me seduziu desde o início foi o infinito da ficção. Então a realidade não é só o que eu, tão pequena, vejo? Dentro do nosso mundo, cabem outros incontáveis cosmos? Ser fisgada por isso desde muito cedo moldou toda a minha vida, minha personalidade e meus músculos cerebrais.
Porque, no cerne, ler é isto: exercício muscular. Quanto mais se lê, melhor se lê. A concentração se desenvolve com agudez, a fruição se torna instinto. Hoje, após uma rotina de 13 anos lendo mais ou menos dez livros por mês, a leitura é tão crucial no meu dia a dia quanto comer ou tomar banho. Um livro puxa o outro, e o desejo de cessar a ignorância aumenta na mesma medida que a ignorância cresce.
Quanto mais leio, menos sei — porque, a cada leitura, penetro mais fundo na dimensão inesgotável dos livros não lidos.
No fim do dia, é uma questão de vontade. E de um comprometimento esforçado. Leio com devoção e faço disso uma prioridade absoluta porque quero. Construí uma vida em torno da leitura porque quis (e porque tive privilégios sociais que me permitiram fazer essa escolha). Sofro & gozo por isso porque assim anseio.
Renovo todos os dias os meus votos amorosos com a leitura, como uma noiva apaixonada intensamente devota à sua prometida.
A pedidos, separei aqui algumas sugestões pra olharmos com mais carinho pras nossas leituras, baseado na minha experiência e no feedback de alunes ao longo dos anos. Quem sabe pode te ajudar a beijar mais os livros na boca, no meio das nossas correrias?
5 ideias pra ler mais & ler melhor
Escolher livros curtos. Ler 1 livro de 500 páginas é penoso e difícil; ler 5 livros de 100 páginas é gostoso e fluido. Terminar livros é o que nos dá tesão pra ler outros, além da deliciosa sensação de sempre começar algo novo.
Criar uma rotina diária de leitura. Começando com 5 ou 10 minutos, em momentos de espera no transporte público ou enquanto nos aliviamos no banheiro, em breve o gesto de abrir um livro será tão natural quanto soltar pum.
Marcar trechos e escrever nas margens. Quem escreve faz isso porque deseja comunicação, e poucas coisas dão mais prazer a escritores que encontrar seus livros todos rabiscados. Para quem lê, criar esse hábito ajuda muito no treinamento do músculo da memória. Quem grifa se lembra. Há algo do prazer físico nisso: a mão que pega & sente & tateia o corpo do texto. A leitura não é uma atividade passiva. Nem pacífica.
Usar a tecnologia para nossa glória, não nossa ruína. Depois que baixei os aplicativos do Kindle e do AppBlock (restringe o uso de apps selecionados) no celular, minhas leituras aumentaram radicalmente. Assim, mesmo se não tenho um volume físico à mão na hora do aperto, nunca me faltam livros.
Ler por prazer. Se você, como eu, tem leituras obrigatórias de trabalho, reserve um tempo para ler o que você quiser. Na minha rotina, é assim: de dia, trabalho; de noite, prazer. No meu caso, às vezes é difícil separar, pois sinto prazer trabalhando, mas em geral reservo leituras mais densas para o horário comercial. Manter essa disciplina do desejo me ajuda a não deixar a leitura virar algo chato, enfadonho, obrigatório. De novo: leio porque tenho vontade.
No mais, tenho usado o instagram para compartilhar TODAS as minhas leituras do ano, então sempre podemos conversar por lá também.
Agora é a sua vez de me contar: o que você anda lendo de bom?
Carta na garrafa
Bom dia, Bruna! Enquanto estamos quentes: suas cartas são um afago, sua escrita é importante demais. Fundamental sairmos da torre, obrigada por trazer essa reflexão. Feliz 2024!
—Aline Haar, 04.01.24
Amo que você ama o FBC! Show dele é quente!
— Felipe Bernardo Soares, 21.11.23
Quem conhece o oceano não se contenta com a profundidade ilusória da piscina.
Vem nadar comigo!
Se gostou, me conta; se não, também. É só responder o email. ❤️
com amor, Bruna K
p.s. leia as outras cartinhas aqui.
p.s. 2. agora eu tenho um site, depois vai lá ver que lindo que ficou.
A angústia de quanto mais ler menos saber me lembrou algo que li sobre o efeito Dunning-Kruger. Como é bom estar ciente do tamanho do mundo com outros. E no momento estou beijando, ops, lendo Mushashi.
Olá, Bruna, gosto demais do seu modo de escrever, de narrar. Não sou ávido leitor, infelizmente, mas tenho me esforçado mais. Atualmente, estou lendo o livro de quadrinhos Berlin, de Jason Lutes. Curtindo bastante. Abraços