É um agradecido Brasileiro
quem saudoso estima ver-vos aqui.
Domingos Caldas Barbosa, 1799
Lisboa, Portugal, 22 de junho de 2022.
querida leitora, querido leitor,
há exatos dois anos, enviei a primeira carta aos navegantes pra vocês, ecoando o pedido de Mário a Carlos em 1924, no início da sua extensa troca epistolográfica: devote-se ao Brasil comigo. o Brasil, nas palavras de Mário este monstro mole e indeciso, é a minha maior razão da vida e é a ele que me dedico todos os dias. o meu trabalho e a minha existência são devotados à nossa terra ambígua, dor & delícia, tristeza & tesão.
e se em 2020 minha relação com a pátria transitava entre o amor e o ódio, hoje em 2022 ela existe sobretudo na saudade. morando nos Estados Unidos, o Brasil ganhou outra dimensão — ele chega nos outros antes de mim. o sotaque e a bunda imediatamente me denunciam: antes de ser vista como outro ser humano, meu corpo é marcado como imigrante, latino, estrangeiro. nossa língua e nossa cultura receberam mais complexidade quando postas em contraste com a vida estadunidense, e agora essa bagunça ganhou mais uma camada — o velho mundo.
escrevo do outro lado do Atlântico, após atravessar o oceano pela primeira vez. minha âncora está fincada em Portugal pelos próximos dois meses, enquanto pesquiso na Biblioteca Nacional os arquivos do poeta e músico afro-luso-brasileiro Domingos Caldas Barbosa. a investigação está só começando e já descobri tantas coisas: a pesquisa em arquivo é um prazer indescritível, uma bússola para guiar nossas indagações às vezes tão perdidas.
o nome desta newsletter é carta aos navegantes, e esse título nunca fez tanto sentido quanto agora. aqui toda a linguagem é náutica. imagens de barcos & naus & velas & lemes em toda a parte, por toda a gente. o cartão para se locomover na cidade, por meio de ônibus (que aqui chamam autocarro), metrô (que aqui chamam metro), trem (que aqui chamam comboio), é o cartão navegante. a identidade nacional portuguesa é o mar, a excitação da viagem, Luís de Camões, a aventura, Adamastor. Portugal está fadado a ser o país do passado, enquanto o Brasil possui o fardo de ser o país do futuro. por um lado, um passado jamais superado; por outro, um futuro que nunca chegou.
nós, brasileiros, irreverentes pela própria natureza, somos um povo decolonial — ou tentamos ser, apesar de tudo. a gambiarra, a criatividade na adversidade, a inovação com poucos recursos nos faz quem nós somos: eis aí a nossa identidade nacional, a antropofagia, o camaleão. aqui me parece que há uma dificuldade de assumir os próprios B.O.s. eles ainda insistem na ideia de descobrimento, embora já saibamos há muito que foi uma invasão. racismo parece uma palavra proibida, embora seja nítida a divisão racial nas diferentes regiões de Lisboa. a dicotomia tão atrasada civilização x barbárie ainda pulsa nas mentes e corpos dos portugueses, nos seus monumentos, estátuas e museus.
tudo em Portugal me é ambíguo. para cada beleza que vejo (e há muitas), logo em seguida vem o sangue, os grilhões, a violência. Lisboa me parece uma filial além-mar do Rio de Janeiro. com tudo que há de bom e de ruim nesta comparação. ainda estou aqui há pouco tempo, tenho mais algumas semanas para buscar perceber (para nós, entender) melhor estas complexidades. entre livros do século XVIII, shots de ginjinha (licor de cereja), e o Rio Tejo, essa viagem vai expandindo a decolonialidade cá dentro ainda mais: todo este ouro aqui é nosso.
Dei uma entrevista sobre a obra e o legado de Patrícia Galvão, a Pagu, para o presidente da Academia Mineira de Letras Rogério Faria Tavares. Você pode assistir a entrevista aqui e ler a reportagem que saiu no Estado de Minas aqui.
Convidada por Michel Mingote, dei uma entrevista sobre meus processos criativos na Revue Internationale D’art Et D’artologie, em Paris. Na edição, apareço como parte da Nouvelle génération, ao lado de Auteurs vétérans que muito admiro, como Adriana Lisboa, Andréa Del Fuego, Edimilson de Almeida Pereira, Luiz Ruffato, Prisca Augustoni e muitos outros. Leia a edição completa aqui.
Tive a honra de sair no jornal Estado de Minas homenageando e exaltando o legado de Lygia Fagundes Telles. Falei sobre ela ao lado das gigantes Nélida Piñon, Noemi Jaffe, Maria Esther Maciel, Ana Maria Machado, Carola Saavedra, Claudia Lage, Marcela Dantés, Giovana Madalosso e Natália Borges Polesso, que também deram seus depoimentos no caderno Pensar. Leia aqui.
O professor e pesquisador Heitor Martins, emérito da Indiana University e amigo de Oswald de Andrade, escreveu sobre o meu livro Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas. A resenha “A roupa suja do cânone” foi publicada no Estado de Minas e você pode lê-la aqui.
Meu poema "dead woman" ganhou o prêmio de melhor texto escrito da 25a edição da CANVAS Magazine, publicação do IU Union Board. Outros três poemas meus foram publicados, "Granddaughters" (Netas), "Instructions to organize chaos" (Instruções para organizar o caos) e "automatic woman" (o já conhecido ser mulher no automático). Leia aqui.
Ainda sobre Pagu, participei de uma reportagem do Ruan de Sousa Gabriel no caderno de cultura do Jornal O Globo, sobre a vida e obra de Patricia Galvão. Adriana Armony conversou com o Ruan sobre seu novo livro, "Pagu no Metrô", e eu falei sobre o impacto de "Parque Industrial" (1933) na literatura brasileira. Leia aqui.
Oi Bruna, muito obrigado! amei sua carta. minha vida é a tradução. vivo de corpo e alma a tradução intersemiótica!
André Araújo, 13.03.2022
Que interessante essa sua perspectiva sobre a língua.
Espero que tudo vá se traduzindo e se descortinando para você.
Beijos e até a próxima.
Letícia Alves, 14.03.2022
Quem conhece o oceano não se contenta com a profundidade ilusória da piscina.
Vem nadar comigo!
Se gostou, me conta; se não, também. É só responder o email. ❤️
com amor, Bruna K
p.s. leia as outras cartinhas aqui.
p.s. 2. você me acha na internet aqui.