meus únicos heróis
são os tradutores
Ana Martins Marques
se apropriando de Elena Ferrante
Bloomington, Estados Unidos, 12 de março de 2022.
acordar. traduzir suas roupas e
seus sapatos. traduzir seu
sorriso e os nomes
das marcas. traduzir suas referências
seus sentimentos sua
liberdade. traduzir a cor
da sua pele o cheiro
dos seus perfumes.
traduzir seus beijos
seus desejos sexuais. traduzir
receitas de família e
temperos. traduzir absolutamente tudo
menos a sua própria
língua. ir pra cama
e lembrar que você esqueceu
de traduzir
você mesma. uai
foda-se – você nem é
paga pra início de conversa.
eu escrevi esse poema primeiro em inglês, e depois que fui traduzi-lo. ter a experiência de ser traduzida pro espanhol pela poeta e tradutora maravilhosa Paula Abramo mudou radicalmente a minha vida, me fez olhar pro meu próprio texto com outros olhos e repensar minha relação com outras línguas na literatura. Ana Martins Marques (aliás também traduzida pro espanhol pela Paula), no seu último livro, Risque esta palavra, escreve: Você se dá conta / de repente / de que muitos dos poemas que ama / foram na verdade escritos / por seus tradutores. confesso que como amante da literatura brasileira acima de tudo, só muito tarde na vida fui me ligar na tradução. por muitos anos, meu negócio era o Brasil – e só. ler em brasileiro me ensinou a escrever em brasileiro, e a beijar de língua a língua do nosso povo. mas de um tempo pra cá, depois que comecei a estudar mais inglês e espanhol, passei também a arriscar escrever nessas outras sintaxes, e a praticar a tradução – de outros poetas e de mim mesma. a autotradução me encanta porque nela eu me permito errar e roubar mais. se não encontro uma saída pra algum verso ou palavra, mudo completamente sem remorso – a autora aprova ao vivo essas gambiarras. traduzir os outros exige mais responsabilidade, já que você insere a sua autoria no texto original, que depois de traduzido passa a ser um palimpsesto – um poema em cima do outro, como uma grande suruba. traduzindo meus próprios poemas, me dou mais liberdade – well vira uai e anyway se torna pra início de conversa. a cada dia, alongo mais essa prática nos meus músculos, pensando em três línguas paralelas, uma voz nua dentro de um campo triplo de batalha. ainda estou à procura de BKO em inglês e em espanhol, com a consciência de que a brasileira nunca vai embora de vez. after all, why no puedo decir uai? puedo sim senhor.
wake up. translate your clothes and
your shoes. translate your
smile and the brands’
names. translate your references
your feelings your
freedom. translate the color
of your skin the smell
of your perfumes.
translate your kisses
your sexual desires. translate
family recipes and
spices. translate everything
but your own
language. go to bed
and remember you forgot
to translate
yourself. well
fuck it – you’re not
paid anyway.
Segunda feira começa o curso Escrevendo com Hilda Hilst, no Ateliê Lume, aulas 100% online. A proposta dessa oficina é aprender com Hilda Hilst professora, essa artista de mil faces! Corre que estamos já nas últimas vagas. Mais informações e inscrições aqui, no site do Lume.
Graças à força do povo e do poder BR na internet, ganhei o People’s Choice Awards do prêmio Three Minute Thesis Competition, no qual estudantes de pós-graduação apresentam suas pesquisas em três minutos. Apresentei os resultados preliminares da minha tese, provisoriamente chamada Palimpsesto à Brasileira: identidade nacional em três atos OU Brazilian Palimpsest: national identity in three acts. Você pode assistir o meu vídeo aqui, e conhecer a BKO English Version.
No dia 26 de março, vou dar um workshop na International Women’s Day Conference da Indiana University, chamado What we can learn with Brazilian women writers. Vou apresentar ao público gringo a obra de quatro escritoras brasileiras: Carolina Maria de Jesus, Patrícia Galvão, Clarice Lispector e Eliane Potiguara. Também levarei alguns textos delas que traduzi pro inglês. Mais informações no site da conferência.
Que bom ter suas epístolas de volta! Adorei mais esta :) Permaneça firme na reafirmação da nossa identidade, contamos com vc ;) Beijos do calor de BH é o Texas.
Aline Arruda, 28.01.2022
Sempre penso no que serei de mim imigrante sendo que moro na língua portuguesa brasileira. Vou carregar ela sempre comigo, mas como pagar boletos em outro idioma? Adoro dar nó de tradução na cabeça, teve momentos morando no México que os meus sonhos não tinham mais uma língua. Foi divertido, mas passou. Beijos do lado quente do planeta,
Lívia Aguiar, 04.02.2022
Olá, Bruna. Acompanho a newsletter há pouco tempo, mas esse último número me interessou demais. É que essa redescoberta da brasilidade a partir da experiência de sair do país é uma coisa que tem povoado meus pensamentos. Tenho revisitado os modernos, lido relatos de viagem de estrangeiros, documentos do Brasil colônia e investigado minha própria relação com a língua em busca de alguma coisa que eu não sei identificar muito bem o que é. Talvez seja mesmo, como você escreveu, uma reafirmação da brasilidade diante de um outro. Tenho tentado organizar as ideias numa newsletter autoficcional e epistolar (gênero que também gosto muito). O link para o último número é: https://marcocruz.substack.com/p/a-correspondencia-de-m-and-w-5 Espero que o tema continue aparecendo em mais números por aqui.
Marco Antonio Cruz, 08.02.2022
Quem conhece o oceano não se contenta com a profundidade ilusória da piscina.
Vem nadar comigo!
Se gostou, me conta; se não, também. É só responder o email. ❤️
com amor, Bruna K
p.s. leia as outras cartinhas aqui.
p.s. 2. você me acha na internet aqui.