Você pode se emocionar ou dormir um pouco mais.
Natasha Félix
Brasil, 08 de julho de 2020.
Querida leitora, querido leitor,
Depois que enviei a primeira cartinha, fiquei surpresa pelo retorno tão positivo de tanta gente atenciosa. Desde conversas com desconhecidos até a assinatura de artistas que admiro imensamente (como o amado Milton Hatoum e a querida Natasha Félix, epígrafe desta carta), esse diálogo que criamos está me emocionando demais.
Foram tantas respostas bonitas que resolvi criar mais uma seção: CARTA NA GARRAFA, com retornos especiais que recebi de vocês. A inspiração pra esse título veio na missiva da Suelen Trevisan, minha querida amiga que também estuda Hilda Hilst, e cujas palavras vão abrir essa seção.
Hoje vamos falar de várias lives excelentes, poesia atravessando o oceano, e o erotismo de Drummond. Já somos mais de 500 caixas de correio interessadas em arte, e isso me lembra que o Brasil permanece vivo. Que tal respirarmos debaixo d’água juntos?
🔹 A convite do poeta mexicano Yuri Zambrano, participei da 5ª edição do World Festival of Poetry, dedicada à poesia brasileira e ao lado de poetas que adoro: Leo Gonçalves, Simone Teodoro, Thiago Ponce e Alex Simões. Foi a live mais alegre dos últimos tempos, com risadas deliciosas, poemas eróticos em português & espanhol e muito amor além-mar. Assista no YouTube.
🔹 Comecei essa semana o curso ESCREVER DE QUATRO, leitura e escrita de literatura erótica, que lotou duas turmas em uma semana (!). O interesse foi tanto que vamos fazer mais em breve, é só se inscrever neste formulário para ser avisado.
🔹 Postei no meu canal um vídeo lendo os poemas da seção PAU BRASIL do meu último livro de poesia Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas, que você pode ver aqui.
🔹 Apresentei, no Circuito Municipal de Cultura de BH, o Sarau da Brisa Marques, escritora, cantora e performer, uma das lives que, na minha opinião, melhor aproveitou artística e esteticamente esse novo formato. Ela está completa no Youtube.
🔹 Com muita alegria e responsabilidade, participei de uma live do Saudar-te, projeto de extensão da UFMG, cujo objetivo é levar arte para os profissionais da saúde. Eu e a Thaís, que mediou o papo, lemos poemas e falamos da importância da poesia em tempos de crise. Está na íntegra no instagram @covid19.uti.ufmg.
🔹 Em tempos nos quais alguns cidadãos valem mais que outros, você sabia que Deus é engenheiro? Mas esse não é o único ofício Dele. A convite do jornalista Raphael Vidigal, escrevi a crônica “A Carteira de Trabalho de Deus”, pensando nos possíveis trabalhos carimbados na carteira sacrossanta. Leia no site Esquina Musical.
🔹 Morri com esse encontro fabuloso: o médico e escritor Dráuzio Varella entrevistou um dos maiores poetas brasileiros, Mano Brown. Fiquei muito emocionada assistindo, Brown disse que “sonhar é estar vivo”, “os curiosos vão mais longe”, e muito mais.
🔹 Política e sociologia também são literatura, e o professor Sílvio Almeida, um dos intelectuais mais importantes dos últimos tempos, deu uma verdadeira aula no Roda Viva. Ele indicou diversas obras essenciais para entender o Brasil, cuja leitura também recomendo. Veja aqui.
🔹 O Sempre um Papo, projeto já clássico do escritor Afonso Borges, está se adaptando aos novos tempos e fez uma live excelente com dois escritores (e amigos queridos) que admiro muito: Milton Hatoum e Carlos Herculano Lopes, falando de arte, literatura e política.
🔹 Às vezes eu assisto as resenhas do Cliff Sargeant no “Better Than Food”, seu canal no YouTube, porque acho legal ver opinião de gringos sobre literatura brasileira (ele já fez resenhas de Machado e Clarice). E, seguindo a recomendação que eu e outros seguidores fizeram, ele leu A Obscena Senhora D, da Hilda Hilst, e fez esse vídeo instigante sobre a obra.
Por conta dos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro, fiz alguns comentários no twitter sobre “Inocentes do Leblon”, de Carlos Drummond de Andrade, pensando em como o ser mineiro é estrangeiro em todos os lugares: em Minas não há casa possível, fora de Minas também não. Mas em vez de focar no absurdo (que já nos circunda em todos os lugares), preferi trazer outro poema dele, que será lido no meu curso ESCREVER DE QUATRO. Sou do time que pensa: na crise, vamos à paixão.
Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas
detêm a mão ansiosa: Devagar.
Cada pétala ou sépala seja lentamente
acariciada, céu; e a vista pouse,
beijo abstrato, antes do beijo ritual,
na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.
Nunca li descrição mais bonita de sexo oral na vida. Presente no livro erótico O Amor Natural, este poema reúne em si a delicadeza da tesão da carne aliada à urgência vagarosa do desejo – uma tensão sempre paradoxal. Com construções inusitadas como anêmonas castanhas e flora pubescente (puta que pariu é lindo demais), Carlos nos lembra que o gozo é sagrado, o beijo no corpo amado é ritual, foder também é amar. De-va-gar. E nós, brasileiros sobreviventes em 2020, estamos mesmo precisando de muita poesia e muito amor. Escrever pra vocês é uma forma que encontrei de compartilhar minha paixão pela literatura, esse beijo abstrato que lentamente nos acaricia, e tudo é delícia.
Na última carta, que foi a primeira, tive muitas respostas de navegantes que estão enfrentando esse mar revolto que é ser brasileiro em 2020. Mas, por sorte, temos o triunfo da garrafa: é mistério, é criação, é beleza. Separei esses dois trechos de mensagens que me emocionaram:
É bom lembrar que há praia, que há oceano, qd td q a gente vê nos últimos meses são paredes. Te desejo boa sorte nessa navegação. Fico à espera da próxima carta na garrafa, essa imagem q tanto me emocionava na infância e q, só bem depois fui descobrir isto, é uma boa metáfora para a literatura. Nós escrevemos as palavras da urgência sem saber qm e qd as lerá. Esta é uma conversa transtemporal, transterritorial, trans em todos os sentidos, lembrando q só existimos junto com o outro.
– Suelen Trevisan, 22.06.20
Que alívio poder respirar depois de tanto sufoco nessa quarentena! Aliás, nesses últimos anos! (queria ter lido essa carta do Mário de Andrade em 2018). Só queria dizer que ler tudo isso me fez recobrar o fôlego depois de muito tempo! [...] essa newsletter serviu como um kit de primeiros socorros! Pra arte ser preservada ela deve ser acessível, coisa que pouca gente (como você) se disponibiliza a fazer.
– Isabela Teixeira, 22.06.20
Quem conhece o oceano não se contenta com a profundidade ilusória da piscina.
Vem nadar comigo!
Se gostou, me conta; se não, também. É só responder o e-mail. ❤️
com amor,
Bruna K
p.s. leia a primeira cartinha.
p.s.2. você me acha na internet aqui.